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Chajing, o primeiro Tratado do Chá

O chá, uma das bebidas mais consumidas no mundo, tem uma história rica e fascinante que atravessa culturas e gerações. Mas será que sabe onde tudo começou?

Vamos viajar no tempo até ao primeiro tratado do chá, uma obra que marcou o início do registo oficial do conhecimento sobre esta bebida milenar, e sua apreciação enquanto arte.

Contents:


O Tratado: “Chajing” de Lu Yu

O primeiro tratado do chá é conhecido como “Chajing” (茶經), que pode ser traduzido como “O Clássico do Chá”.

Este documento, escrito por Lu Yu (733-804), um monge budista chinês, por volta do ano 780, durante a dinastia Tang, não é apenas um manual técnico; é uma verdadeira obra-prima literária que combina poesia, filosofia e ciência, que se encontra hoje entre os clássico da China antiga.

Lu Yu, frequentemente referenciado como o “Santo do Chá”, dedicou-se ao estudo e aperfeiçoamento da arte do chá após uma infância marcada pela simplicidade monástica. A sua obra (que lhe custou vinte longos anos de investigação), composta por três volumes e dez capítulos, aborda desde a origem do chá, a sua produção, a escolha da água ideal, até à descrição detalhada dos utensílios utilizados na preparação e consumo do chá. O “Chajing” é, portanto, um dos documentos mais importantes na história do chá e uma leitura essencial para qualquer amante desta bebida.

Durante a dinastia Tang, o chá já era uma bebida popular em toda a China, e a produção e comercialização de chá estavam bem estabelecidas. No entanto, o conhecimento sobre o seu cultivo e manufatura, assim como os vários rituais que envolviam a sua degustação, ainda se encontravam dispersos, muitas vezes transmitidos apenas pela tradição oral. Foi neste contexto que Lu Yu decidiu sistematizar todo esse saber na sua obra-prima.

No “Chajing”, Lu Yu aborda as origens mitológicas do chá na China, descrevendo não só a planta do chá e a sua forma de plantação, mas também explorando a etimologia da palavra “chá”. Um dos aspetos mais fascinantes da sua obra é a importância que atribui à água utilizada na preparação do chá. Segundo Lu Yu, a pureza da água é crucial para a qualidade da bebida, e ele recomendava o uso de água de fontes de montanha, o que mostra a sua profunda compreensão da relação entre a natureza e o chá.

O tratado também classifica diferentes tipos de chá e detalha os procedimentos recomendados para a sua produção, com destaque para o “tijolo de chá”, um tipo de chá preto comprimido que era muito valorizado na época. Lu Yu descreve minuciosamente os utensílios necessários para a preparação do chá, desde os instrumentos de colheita até às peças utilizadas na sua degustação. Esta atenção ao detalhe reflete-se na forma como ele documentou 28 utensílios específicos (desde caldeirões, panelas, até ferramentas específicas para moer as folhas de chá), que foram mais tarde adotados e adaptados pela cultura japonesa na sua cerimónia do chá. A inclusão de gráficos ou ilustrações destes utensílios pode ser uma mais-valia para os leitores, oferecendo uma visualização clara da complexidade envolvida na preparação do chá.

Outro ponto relevante do “Chajing” é a análise das regiões de cultivo de chá na China, onde Lu Yu classifica e avalia oito regiões distintas, mostrando um conhecimento profundo das condições geográficas e climáticas que influenciam a qualidade do chá. Além disso, ele também discute as propriedades do chá, a história do seu consumo e as regras para uma correta prova do chá, introduzindo um nível de sofisticação e ritual, e estabelecendo padrões, que ainda hoje são praticados.

Com o crescente consumo de chá na China, o governo da dinastia Tang viu no chá uma oportunidade económica e, em 780, implementou o primeiro imposto sobre o chá, um evento histórico que marcou o início da longa relação entre o chá e a política económica em várias partes do mundo.

Além de ser um guia prático, o “Chajing” de Lu Yu é também uma obra impregnada de filosofia. Ele conseguiu associar o chá aos valores taoístas de viver em harmonia com o momento presente, e aos conceitos confucionistas de equilíbrio e ritual. Estes elementos filosóficos, juntamente com as influências budistas que ligavam o chá à meditação e à vida simples, contribuíram para que o chá se tornasse mais do que uma bebida – transformou-se num símbolo de humildade, gentileza e contemplação; uma meditação em movimento, onde o equilíbrio entre o yin e o yang e a harmonia com a natureza são fundamentais.

O impacto do “Chajing” e a conexão com o Mundo Moderno

O impacto do “Chajing” de Lu Yu foi profundo e duradouro, moldando a cultura do chá não só na China, mas também no Japão e em outras partes do mundo. As técnicas de produção e as regras de preparação do chá que ele estabeleceu continuam ainda hoje a ser seguidas e adaptadas, sendo por isso considerando o alicerce da cultura do chá. Por exemplo, a cerimónia do chá no Japão, conhecida como Chanoyu, embora tenha evoluído de acordo com os valores estéticos e espirituais japoneses, deve muito ao legado deixado por Lu Yu.

A indústria do chá, que começou a desenvolver-se com mais intensidade durante a dinastia Tang, beneficiou das normas e procedimentos padronizados descritos no “Chajing”. Estas práticas permitiram que o chá fosse produzido em maior escala e com uma qualidade mais uniforme, facilitando a sua comercialização dentro e fora da China. O comércio internacional de chá, que eventualmente se expandiu para o Ocidente, também tem as suas raízes nas práticas que Lu Yu documentou.

Nos tempos modernos, o “Chajing” continua a ser estudado por sommeliers de chá e entusiastas que procuram compreender as origens desta bebida e a profundidade da sua cultura. Para quem deseja ver uma representação visual da influência de Lu Yu, recomendo assistir ao documentário “All in this Tea”, que explora a cultura do chá na China contemporânea e mostra como as tradições antigas ainda são respeitadas hoje. Outro recurso valioso é o vídeo “The Legacy of Lu Yu – The Sage of Tea”, que oferece uma visão detalhada sobre a vida de Lu Yu e o impacto duradouro do “Chajing”.

A importância de Lu Yu na história do chá não se deve apenas à sua capacidade de sistematizar o conhecimento técnico sobre o chá, mas também ao seu talento em incorporar os valores filosóficos taoístas, confucionistas e budistas na apreciação desta bebida. A harmonia, o equilíbrio e a contemplação que ele promoveu através do chá continuam a ser valores centrais para aqueles que, como eu, veem no chá não apenas uma bebida, mas uma arte.

 

O “Chajing” de Lu Yu é mais do que um simples tratado sobre chá; é uma obra que capturou a essência de uma cultura milenar e que continua a inspirar e educar pessoas em todo o mundo. Seja através da prática da cerimónia do chá, da apreciação das suas diversas variedades, ou do estudo das suas origens, o legado de Lu Yu e o seu “Chajing” permanecem vivos.

O chá, tal como descrito por Lu Yu, não é apenas uma bebida. É uma experiência, um ritual, e, acima de tudo, uma arte que convida à reflexão e à paz interior. Ao tomarmos um simples chá, estamos a participar numa tradição que atravessou séculos e que continuará a influenciar as gerações futuras.

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